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Rien ne va plus: Jorge Nesbitt e Vasco Futscher na Brotéria

How they tinkle, tinkle, tinkle,
In the icy air of night!
While the stars that oversprinkle
All the heavens, seem to twinkle
With a crystalline delight;
Keeping time, time, time,
In a sort of Runic rhyme,
To the tintinnabulation that so musically wells
From the bells, bells, bells, bells,
Bells, bells, bells—
From the jingling and the tinkling of the bells.[1]

Com o tocar do sino, são convocados os sentidos e o espírito. Os sinos têm sido utilizados ao longo dos tempos por diferentes culturas, com os mais variados propósitos. Os padres, na Idade Média, tocavam um sino de mão para afastarem as bruxas das pessoas doentes[2]. Tanto serve para afastar fantasmas e tempestades, como para localizar os nossos animais. A harmonia do seu tilintar conecta o mundo terreno ao espiritual. São, sobretudo, artefactos-fantasma, muitas vezes invisíveis ao olhar, mas permanentemente presentes no nosso dia-a-dia através do seu som. Fazem parte da paisagem sonora das aldeias, vilas e cidades — ainda que cada vez menos presentes nestas últimas —, sendo periodicamente tocados pelas igrejas, marcando a passagem do tempo, avisando sobre o começo de cerimónias religiosas e, até, anunciando a morte. É através dos sinos que ouvimos o tempo.

O objeto que habitualmente se encontra em altura, distante do olhar, desce até nós na exposição Rien ne va plus de Jorge Nesbitt e Vasco Futscher. Os artistas preenchem o espaço da Brotéria com uma série de esculturas em cerâmica produzidas a quatro mãos que se inspiram nas formas do sino. Afastando-os da sua funcionalidade original, recuperado a essência simbólica e espiritual do objeto. São sinos que perpetuam o silêncio, que não convocam, nem marcam o tempo. Mas é na sua ausência de função que se encontra a sua potência enquanto objeto, convidando-nos a contemplar não só a sua forma física, mas o vazio que ela preenche.

Os quinze sinos apresentados pelos artistas agrupam-se em três conjuntos e são suportados por uma estrutura de metal comum, com diferentes variações de altura, onde cada escultura se equilibra. A instalação resulta numa composição dinâmica com sinos todos diferentes, seja em tamanho, cor ou textura. Há sinos mais geométricos, outros com formas mais fluídas; há superfícies baças e brilhantes; padrões naturais e pinceladas abstratas; relevos com figuras concretas (uma guitarra ou um cachimbo) e outros que remetem para o natural.

O título da mostra, Rien ne va plus, é uma expressão utilizada na roleta para indicar que as apostas terminaram, significando também o anúncio da chegada a um ponto sem retorno ou de mudança. A verbalização da frase funciona no mesmo sentido que o som do sino: é um alerta que comunica e avisa sobre algo que está prestes a acontecer. A expressão ressoa com a atmosfera de expetativa e suspense que existe no espaço expositivo, onde a presença silenciosa dos sinos sugere uma transição iminente.

A exposição Rien ne va plus contraria a agitação frenética e barulhenta do mundo, convidando-nos a mergulhar num espaço de silêncio e contemplação. Os sinos de Jorge Nesbitt e Vasco Futscher, mesmo na sua ausência de som, continuam a ecoar dentro de nós, preenchendo o espaço da galeria com uma reverberação metafisica. A materialidade de cada escultura acentua o transcendente que existe no seu silêncio quando a olhamos. Contudo, a Igreja de São Roque, ao lado da Brotéria, não nos deixa esquecer da função do sino. Mesmo em silêncio, os sinos tocam, ainda que noutro corpo ou dentro do nosso.

A exposição Rien ne va plus está patente na Brotéria até ao dia 15 de maio de 2024.

 

[1] Edgar Allan Poe, The Bells (1809-1849). Disponível em: https://www.eapoe.org/works/poems/bellsg.htm
[2] R. Murray Schafer. (1994). The soundscape: the tuning of the world. Destiny Books: United States, p. 173.

Laurinda Marques (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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